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Enxaqueca: saiba tudo o tratamento das dores de cabeça Imagem: reprodução |
Quem sofre com enxaqueca geralmente tem muitas dúvidas sobre como tratar efetivamente a doença e, até mesmo, como não fazer com que as dores piorem. A doença neurológica crônica afeta cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), e é considerada a segunda principal causa de anos vividos com incapacidade. “A enxaqueca impacta a vida das pessoas em diversos aspectos. Além da dor latejante, o paciente fica mais sensível à luz, aos sons e ao barulho, sofre com náuseas e tontura e tem uma piora no sono, na atenção e na memória”, explica o Dr. Tiago de Paula, neurologista especialista em Cefaleia, membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC).
Para entender de uma vez por todas o tratamento efetivo da doença, pedimos ao especialista que explicasse o que trata, não trata, ajuda ou até piora a enxaqueca:
Analgésicos comuns e remédios de crise – NÃO TRATAM. Medicamentos de venda livre como dipirona, paracetamol, ibuprofeno ou mesmo remédios das classes de triptanos e ergotamínicos somente aliviam as dores. “O uso excessivo de medicações é o cronificador mais frequente da enxaqueca, responsável por alterar a resposta dos receptores de dor no cérebro e gerar um ciclo de dependência e piora progressiva da condição, causando um efeito rebote. Esse efeito funciona dessa forma: a pessoa toma a medicação para a crise, tem um alívio momentâneo, pouco tempo depois, a dor volta (reaparece mais cedo e com mais frequência) e ela toma outro comprimido e, quando percebe, já está tomando comprimido quase todos os dias. O paciente toma remédio para dor achando que está tratando a enxaqueca, mas o uso contínuo dela faz com que os receptores fiquem ‘menos sensíveis’ e, com o tempo, o cérebro precisa de doses maiores para obter o mesmo efeito, aumentando assim a quantidade de remédios consumidos e a frequência das crises”, explica o Dr. Tiago de Paula. “É um quadro conhecido como cefaleia por uso excessivo de medicamentos”, explica.
Toxina botulínica – TRATA. Segundo o Dr. Tiago, a toxina botulínica, quando aplicada em pontos nervosos específicos, reduz a sensibilidade do cérebro à dor, ajudando no controle da doença enxaqueca. “Essa redução da hiperexcitabilidade modula receptores cerebrais da periferia do sistema nervoso central para região do encéfalo, ajudando, assim, no controle da enxaqueca. Esse é o principal tratamento para ‘descronificar’ os pacientes que temos hoje”, comenta o médico.
Chás estimulantes (preto, verde, com gengibre) e café – PIORAM. Para algumas pessoas, fazer uso de chás ou café pode funcionar para amenizar a crise, mas isso pode criar um problema maior. “A cafeína presente no café e nos chás estimulantes é conhecida como cronificador da doença. Um exemplo clássico de dor rebote pela cafeína se dá quando o paciente deixa de tomar por um dia o café que toma diariamente e tem uma dor de cabeça, e então toma o café para melhorar”, diz o médico. Além disso, o neurologista explica que o cérebro de quem sofre com enxaqueca já apresenta uma tendência maior a reagir de forma intensa a estímulos sensoriais, como luzes fortes, ruídos ou variações hormonais. “Fatores cronificadores ampliam essa reatividade, modificando circuitos cerebrais relacionados à dor e dificultando o retorno ao padrão normal”, diz o Dr. Tiago de Paula. Por outro lado, o médico diz que chás relaxantes, como o de erva-cidreira, camomila e hortelã podem ser ingeridos.
Acupuntura e massagem – NÃO TRATAM. “Não há respaldo científico de eficácia da acupuntura para o tratamento da enxaqueca. Para os poucos pacientes que relatam melhora, isso não acontece de forma sustentada, nem progressiva”, explica o Dr. Tiago. O médico também não recomenda a massagem. “Ela pode piorar e ser um gatilho para mais dores”, explica.
Fisioterapia e RPG – AJUDAM. A fisioterapia e o RPG, segundo o Dr. Tiago, fazem parte do tratamento, como adjuvantes e podem ser indicados de acordo com a dor do paciente. “Embora não atuem diretamente na fisiopatologia da doença, elas são úteis quando há tensão muscular associada”, explica.
Medicamentos betabloqueadores – TRATAM. Os betabloqueadores (como propranolol e metoprolol) são medicamentos originalmente usados para hipertensão e problemas cardíacos, mas também têm ação comprovada na prevenção da enxaqueca. “Eles atuam modulando a excitabilidade neuronal e o tônus vascular cerebral, ajudando a reduzir a hiperatividade dos neurônios e o excesso de vasodilatação que estão envolvidos nas crises de enxaqueca. O uso é diário, preventivo, e os resultados começam a aparecer após algumas semanas de uso regular”, diz o neurologista.
Medicamentos anticonvulsivantes – TRATAM. Esses medicamentos foram desenhados para tratar epilepsia, mas, no caso da enxaqueca, eles são usados porque têm propriedades que estabilizam a atividade elétrica cerebral e reduzem a excitação neuronal anormal envolvida na fisiopatologia da enxaqueca, segundo o neurologista. “O uso é preventivo, diário, e leva algumas semanas para começar a mostrar resultados. Eles são úteis em pessoas com enxaqueca associada a excesso de sensibilidade à luz e som (fotofobia, fonofobia) e para quem tem crises muito frequentes. Os que mais têm evidência são o divalproato de sódio e o topimarato”, completa.
Anticorpos monoclonais anti-CGRP – TRATAM. Anticorpos monoclonais são medicamentos de primeira-linha para a enxaqueca. “Eles bloqueiam o efeito do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), que contribui para a inflamação e transmissão de dor e está presente em maiores níveis em pacientes com enxaqueca”, detalha o neurologista. “Em pacientes com enxaqueca crônica mais grave, a combinação da toxina botulínica com os anti-CGRPs tem se mostrado mais eficaz do que o uso isolado dessas terapias”, diz.
Cirurgia – NÃO TRATA. O médico destaca que existe uma cirurgia para enxaqueca que há décadas é tratada como experimental. “Os trabalhos científicos não são bons do ponto de vista de acompanhamento dos pacientes. Essa intervenção é vendida como uma cirurgia definitiva para tratar a doença, mas tenho diversos pacientes que fizeram a intervenção e não melhoraram. Essa também não é uma indicação de neurologistas e a cirurgia não é recomendada pela Sociedade Brasileira de Cefaleia”, comenta o Dr. Tiago.
Bloqueios nervosos – AJUDAM. Segundo o Dr. Tiago, a estratégia do bloqueio de nervo é para “apagar um fogo”. “É um tratamento de ponte. Quando o paciente está com muita dor, piorou muito, a gente bloqueia o nervo para diminuir a dor, mas não tratamos a doença propriamente dita com ele. Usamos essa estratégia para diminuir o uso excessivo de medicamentos”, enfatiza.
Exercício físico – TRATA. “Em essência, o exercício diminui a dor e ajuda no controle da doença, principalmente o exercício aeróbico. E funciona como tratamento. Mas quando o paciente está com dor moderada e com a doença crônica, o exercício pode passar a ser um gatilho e o paciente muitas vezes precisa tomar remédio para fazer atividade física. Com os tratamentos adequados para a enxaqueca, o exercício será sempre útil”, completa.
Cortar alimentos – TRATA. Existem basicamente duas classificações para alimentos que influenciam na enxaqueca: os que são gatilhos e aqueles considerados cronificadores. “O vinho, por exemplo, é um gatilho. Além do álcool, ele tem taninos que podem causar a liberação de serotonina, um neurotransmissor que pode afetar a circulação sanguínea no cérebro, levando à dor de cabeça. No caso dos queijos, alguns podem ser gatilhos. Esses alimentos podem ser retirados em um primeiro momento, mas com o tratamento adequado, eles podem ser reintroduzidos, pois perdem a força com o passar do tempo. O mesmo não ocorre com os cronificadores, como o chocolate. Ele entra na mesma linha do café. O cacau é uma das sementes com mais cafeína depois do próprio café”, comenta o médico.
Psicoterapia, meditação e mindfulness – AJUDAM. Segundo o médico, essas terapias podem ajudar no controle e na redução das crises de enxaqueca. “É um trabalho difícil, pois o cérebro do paciente com enxaqueca é muito acelerado, mas quando eles conseguem aderir a essas técnicas, isso ajuda muito no controle. É algo que já observamos em clínica quando há esse foco multiprofissional”, destaca o Dr. Tiago. Uma recente revisão sistemática, publicada na Headache (The Journal of Head and Face Pain), também valida os efeitos dessas terapias na enxaqueca.
Acompanhamento multidisciplinar – TRATA. Quando, além do neurologista, o paciente recebe suporte de nutricionista, psicoterapeuta e até cirurgião dentista, isso ajuda a tratar a doença de forma mais rápida. “Por exemplo, paciente que tem apertamento de dente, o dentista vai ajudar com a toxina botulínica ou com dispositivos intraorais. E isso também faz parte do tratamento adjuvante. A nutrição também ajuda, com identificação de alguns gatilhos no início do tratamento e a retirada desses alimentos que pioram. Depois esses gatilhos perdem a força. A inclusão de suplementos como magnésio, riboflavina e coenzima Q10 podem ajudar, mas não usamos como tratamento único”, comenta. “Também é importante uma mudança no estilo de vida. Dormir bem, fazer atividade física, retirar os cronificadores e seguir uma dieta equilibrada. Tudo isso ajuda bastante no tratamento da enxaqueca e na prevenção das dores”, finaliza o Dr. Tiago de Paula.
FONTE: *DR. TIAGO DE PAULA: Médico neurologista especialista em Cefaleia pela Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP), membro da International Headache Society (IHS) e da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). Tem especialização em Neurocefaleia pela EPM/UNIFESP, onde também realizou a graduação em Medicina e a residência médica em Neurologia. Atuou como preceptor dos ambulatórios de enxaqueca infantil, enxaqueca do adulto e migrânea vestibular da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e atualmente integra o corpo clínico do Headache Center Brasil, em São Paulo (SP). Pesquisador sobre dores de cabeça, o médico também é palestrante em congressos nacionais e internacionais e autor de artigos, capítulos, livros e publicações científicas. CRMSP 168999 | RQE 18111 | Instagram: @drtiagodepaula
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